"Dotado de um fundo de meiguice que lhe vem dos seus antepassados longínquos e que o tempo e o sentir-se promovido à cultura só tem acentuado, o português não se debate nos extremos nem oscila entre os pólos. Vive antes na zona temperada onde as suas paixões, sendo fortes, raro chegam à brutalidade das últimas violências. Por outro lado, a doçura da paisagem e a luminosidade do ambiente fazem com que a sua alma não se retire às profundezas da subjectividade que se analisa e, analisando-se, se exprime. (…) o português sente-se arrancado para fora, em comunhão directa com aquilo que o rodeia. É antes um homem de acção. Prefere realizar a pensar. Ora só as ideias, quando tornadas vivência, dão fundura e densidade, possibilitando a análise sem prejudicar a criação. (…) O português não é apenas esse ser de meiguice projectando-se para fora de si na doçura do ambiente circundante ou na aventura da acção que fascina; (…) O português afirma-se muito menos em termos de juízos e de ideias, que em cargas de afectividade. E aqui atinge ele verdadeira profundeza. Mas profundeza de sentimento. Como tal, ao menos na forma como o português vive, pede a sua expressão mais natural e directa através da poesia. Vago e nostálgico, encontra-se tão envolto em nimbos que a análise, ao querer separa-los, corre o risco de destruir o todo. Imediato e espontâneo, a mesma análise, pela sua própria essência tende a desnaturá-lo."
Manuel Antunes
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