Por Cristina Sousa
Em entrevista à Visão da passada semana, Manuel Alegre, a propósito de um eventual referendo ao Tratado de Lisboa, deixa a descoberto uma realidade em nada nova ou surpreendente: a falta de interesse da maioria dos portugueses (e não só) para os problemas da União Europeia.
Por várias vezes tivemos demonstrações de fragilidade das ideias de cooperação inerentes à U.E; É tudo muito bonito quando se fala em abstracto e se está no plano do ideal, do dever-ser, mas quando se trata de efectivar as posições assumidas mediante actos e medidas concretas todos tremem e dão um passo atrás. Exemplo disso foi todo o processo de criação uma pretensa Constituição Europeia.
Sempre achei que o Tratado de Lisboa, apesar de todos os elogios que lhe foram feitos e de todo o aparato que gerou, não passou de uma questão de “birra governamental”, encetada e proporcionada pela presidência portuguesa da U.E. O Tratado tinha porque tinha de ser celebrado durante a nossa presidência! Se assim não fosse, talvez pudesse ter sido conduzido e preparado com mais calma e de forma mais clara, aflorando-se e prevendo-se, por exemplo, a questão de o mesmo ser ou não referendado. Mas não! Não havia tempo! Afinal, a presidência era só até Dezembro…
Diz M. Alegre, no final da entrevista, que “…se aqui houvesse referendo, os ingleses também poderiam querer.” Confesso que não percebo a lógica desta afirmação. Aliás, perceber até percebo; agora, aceitar… Então qual é o problema de os cidadãos da U.E. quererem directamente pronunciar-se sobre questões tão essenciais como as respeitantes à comunidade em que estão inseridos? Teriam, porventura, receio de um eventual resultado desfavorável que pudesse comprometer o tão almejado Tratado? Então, para quê o apelo à participação e à cidadania? Não terão os cidadãos uma palavra a dizer? Quando delegaram os poderes de representação, perante as instituições europeias, aos seus governos ter-lhes-á sido coarctado o direito à liberdade de expressão e participação política?
Tudo isto, o facto e a percepção de que não são tidos nem havidos nestas questões, faz com que se desinteressem destes “assuntos europeus” (excepção, claro, para quando se trata de pedir subsídios!).
Creio ser de mudar este panorama; importa, de facto, uma cidadania nacional, e também europeia, consciente e participativa. E não omissa e ao sabor de quem faz as coisas em cima do joelho e, pior, “…nas costas dos cidadãos”. Tudo para que, como diz Alegre, no “futuro não [se deva] ter medo de dar a palavra ao povo.”
6 comentários:
Alegre é um inconsequente. O Poder tem medo de dar voz ao povo. O povo é burro não percebe o Tratado. Os deputados não querem ter o trabalho de explicar o mesmo ou não o sabem.
Mas tu achas sinceramente que os portugueses estão preparados para referendar um tratado europeu?
- 90% não sabe o que isso é.
- 50% ainda quer voltar ao tempo do saudoso Salazar e acha que a Europa é um bicho de sete cabeças.
- O governo ou os deputados explicar o que os portugueses estariam a votar, não me parece boa ideia (pertencem aos 90%)
- Referendos em Portugal só mesmo para coisas do povinho, porque quanto ao resto, infelizmente não existe formação suficiente para serem sequer merecedores do voto.
TT
A democracia é a predominância do povo.
O voto é o direito alienável e universal do povo.
Por isso meu caro TT não se deve pôr em causa quem merece ou não votar.
A classe política tem o dever de explicar o que faz em nome do povo e quando está em causa reformas que impliquem consequências no seu futuro este dever é imperativo.
O desinteresse sobre as temáticas europeias deve-se em grande parte à obtusidade dos políticos em não clarificar estes assuntos.
Caro Marco Gomes
Lamento mas não posso de forma alguma pactuar da sua opinião, até porque não creio que existam neste momento politicos com capacidade para explicar o que quer que seja ao povo.
Tomara eles terem alguém que lhes explicasse.
E mesmo, assim como numa espécie de universo paralelo, que percebessem tudo isso, não me parece pertinente realizar um referendo sobre esta temática.
Os referendos não são propriamente o regime regra mas sim a excepção.
Por alguma coisa existem eleições legislativas em que elegemos os nossos representantes que servem (quase para nada convinhamos) que ficam com o onus de tomar este género de decisões.
TT
Bom, antes de mais, é com satisfação que concluo que ainda há quem se interesse um bocadinho com os assuntos europeus!
Quanto às afirmações do José Manuel Faria, parecem-me algo "fortes": "o povo é burro não percebe o tratado". Ainda que possa conter uma breve alusão ao real desconhecimento do assunto por parte da sociedade não podemos cair em generalizações e passar um "atestado de burrice" geral.
Pior, não podemos usar esse argumento da ignorância para justificar que na ignorância sejam mantidas as pessoas. E, se como diz TT, os próprios deputados também não sabem o que é o Tratado europeu, bem, aí não são só eles que estão a falhar. Somos nós que os elegemos... De forma consciente ou não, uns mais cromaticamente influenciados que outros, é certo, mas fomos nós. E é a nós que cabe "chamá-los à razão" para o que lhes compete fazer. Caso contrário, caíremos num marasmo vicioso; eles são eleitos, não fazem o que devem, nós tacita e inoperantemente anuímos com tal passividade, eles menos voltam a fazer porque, afinal, "para que preocupar-se com o bem comum e os problemas da sociedade?" Mas isto levar-nos-ia para outras discussões que não pretendo, por ora, aqui aflorar.
E TT, permita-me que discorde consigo quando diz "Por alguma coisa existem eleições legislativas em que elegemos os nossos representantes que servem (...) que ficam com o ónus de tomar este género de decisões." Isto assim dito faz crer que, aquando das eleições passamos um verdadeiro "cheque em branco" aos deputados. É isto que entende? Que uma vez tendo cumprido o nosso dever cívico de votar, nada mais temos a dizer, opinar e manifestar?! Esgota-se no momento de "fazer a cruzinha" e entregar o boletim o nosso direito de participação política? Não me parece mas...
Relativamente à admissibilidade ou adequação do referendo para resolver esta questão do Tratado Europeu,
não sei se de facto seria o meio mais idóneo, até porque, como bem sabemos, há o risco do uso perverso deste instrumento (como aconteceu em 1933, com o "referendo" que serviu para "simplesmente" institucionalizar a ditadura de Salazar - isto porque, entre outros aspectos deformadores de resultados, as abstenções foram somadas à contagem do "sim"...
Mas, adequado ou não, é certo que geraria um maior debate público e, consequente, consciencialização para a questão que aqui tratamos. E aí estaríamos a contribuir para diminuir o nível de "burrice" de uma sociedade que, convém não esquecer, é predominante e funcionalmente analfabeta.
Para quê um referendo quando as pessoas (leia-se a maioria dos cidadãos) não sabem o que está a ser referendado ("O que é isso de Constituição Europeia?") e das duas uma: (1)não votam; (2) e se votam, provavelmente votarão não de acordo com as suas opiniões e convicções próprias (porque não têm) mas em conformidade com aquilo que o Partido "ordenar".
Logo, um referendo neste contexto é desperdício de tempo e dinheiro, mera burocracia e formalismo para futuramente argumentarem: "foi o povo que escolheu!!!" (como se o povo pudesse saber escolher).
E um seria um referendo inútil porque bastava basta saber de que lado está a maioria política, para automaticamente descobrir qual o resultado do referendo.
O problema aqui está no não cumprimento de uma promessa política por parte do Governo. Mas mesmo que se fizesse o referendo, essa promessa política, não estaria cumprida. Não basta agendar o referendo e levar as pessoas fazer a "tal cruzinha". É mais importante previamente explicar o que está ser referendado, dar conhecimento do que está em causa e das implicações que tal Tratado envolvem para o nosso país - vantagens e desvantagens. Só devidamente instruídos e preparados, poderão os cidadãos votar e tomar partido consciente numa decisão destas.
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