"... Para mim, alguns pontos que o Papa apresenta na carta não são novidade.
De facto, a fé portuguesa anda muito centrada em santos e santinhos, gerando confusões no pensamento sobre isto da religião e da fé. (...) De que me serve ir todos os anos a Fátima, por exemplo, se isso em nada contribui para uma mudança da minha relação com a comunidade? Até mesmo com Jesus?
(...) Muitas vezes, em Igreja pergunta-se, “porque é que já não vêm ter connosco?”. Para mim uma pergunta que já demonstra preocupação, mas ainda é voltada para dentro.
A meu ver, juntamente com esta questão deve surgir outra: “o que é que nós, Igreja, estamos, ou não estamos, a fazer que provoca este afastamento em relação a nós?”.
Penso que Bento XVI também está a colocar esta última questão aos Bispos. Afinal, andamos a centrar a fé nas romarias e não na Pessoa de Jesus. E conhecer a fundo Jesus Cristo não é, de todo, perdoem-me a expressão, esfregar as mãos nesta ou naquela imagem em busca do milagre, ou sabe-se lá do quê.
(...) Tem de se perder o medo em partir estruturas antigas e olhar às novas respostas para os dias de hoje. De facto, vinho novo em odres velhos, já se sabe o resultado.
(...) Há tanto bem na Igreja, que acaba por ficar abafado por mesquinhices que não têm interesse nenhum. De que me serve anunciar que “Jesus é amor” se isso não é vivido? De que serve estar a dizer às pessoas para vir à Celebração Dominical, se não se explica, na medida do possível, o que se passa naquele momento? Não faz sentido ir à Missa por obrigação... Faz sentido quando busco uma relação...
(...) Há dias comentaram-me que a Igreja deixou de evangelizar há 1700 anos atrás, quando saiu das catacumbas, porque a partir desse momento deixou de propor, para passar a impor. Tenho noção de que este pensamento pode ser redutor, mas tem o seu quê para reflectir. (...) Afinal, a libertação do ser humano passa por uma relação de esperança e verdade diante de Deus e não de medo, como se de um tirano tratasse. E esta relação tem de ser livre (...) Ora, nós crentes, temos de ser os primeiros a dar o exemplo do acolhimento, do não julgamento.
(...) Se Bento XVI pede para nos centrarmos em Jesus, torna-se evidente, pelo menos para mim, que temos de voltar o nosso olhar para o Mistério da Encarnação. Não estou a ver Deus encarnar por um capricho, mas sim por este profundo desejo de integrar toda a humanidade na sua divindade. E isto vive-se em comunidade, na relação comigo, com os outros e, sobretudo com Jesus, Deus encarnado. Isto é mesmo muito sério…"